Há jantares que começam em talheres e terminam em cifras. O da bancada do Republicanos, na Câmara dos Deputados, custou R$ 27.120 e foi servido em 4 de outubro de 2023.
Segundo o presidente do partido, Hugo Mota, era para “ouvir” o então ministro Silvio Costa Filho sobre portos, aeroportos e a implementação do aeroporto de Patos-PB. Democracia à brasileira: debate técnico com molho de banquete.
Detalhe: na agenda do ministro daquela noite constavam quatro reuniões com congressistas, mas não o milionário jantar.
Passemos ao cardápio financeiro. O recibo apresentado por Mota registra 30 pessoas. Divida a conta: cerca de R$ 904 por cabeça. Não é jantar de trabalho; é workshop de gastronomia executiva. Pior: a verba indenizatória só pode bancar refeições da própria bancada, vedada a utilização por outras pessoas. Então, ou o ministro nem tocou no pão — e a conta segue obscena — ou a regra virou guardanapo. Em qualquer cenário, o número destoa da realidade do país. Ou serviram-se de iguarias, ou o dinheiro público comprou uma extravagância sem vergonha de si mesma.
E como reagiu a Câmara? Com a agilidade que raramente se vê para conserto de escola ou remédio em falta: reembolsou sem questionar absolutamente nada. Nada de detalhamento item a item, nada de lista de presença com os reais presentes, nada de desconforto com a desproporção. Apresentou-se a nota, carimbou-se a despesa, encerrou-se o assunto. A liturgia do reembolso funciona como relógio suíço quando a pauta é mastigável.
A defesa previsível é a de sempre: “foi reunião de trabalho”. Ótimo. Reuniões de trabalho cabem em salas públicas, com água, café e planilha. Se a ideia era “ouvir” o ministro, microfone e ata bastariam. Quando a conta escala a quase mil reais por pessoa, o que salta não é a eficiência — é o apetite. E a mensagem simbólica é devastadora: representantes jantam em padrão de luxo enquanto representados contam moedas no mercado.
Não se trata de demonizar a política, mas de exigir senso de medida. Verba indenizatória não é passe livre para espetáculos gastronômicos. É para o necessário — e necessário não tem perfume de trufa. Convidados externos? Fora da conta. Bancada? Comedida. Reembolso? Só com transparência milimétrica. O resto é cara de pau servida em travessa de inox.
A ironia final é perfeita para a pauta de portos e aeroportos: o jantar decolou, voou em céu de brigadeiro e pousou na pista da indenização sem uma única turbulência burocrática. A única fila ficou com o contribuinte, aguardando explicações que nunca vêm. Porque a cultura do “passa a régua” vive de duas coisas: opacidade dentro e complacência fora.
É aqui que entra o papel do público. Idolatria a político é tempero de abuso. Enquanto aplaudirmos selfies e desculpas como se fossem soluções, a conta continuará chegando doce para quem come e indigesta para quem paga. Os brasileiros precisam parar de adorar políticos e adotar uma postura firme e crítica frente a esse tipo de gasto — questionar, cobrar, exigir transparência. Jantar de trabalho não precisa de caviar; precisa de respeito ao dinheiro de quem trabalha.







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