Com base no relatório da Operação Tanque Furado, o vereador paulistano Fernando Holiday (Novo) moveu ação na Justiça Federal contra os 104 deputados e deputadas citados no relatório, em face das irregularidades encontradas pelo Instituto OPS.
O Juiz Federal Renato Coelho Borelli mandou suspender o pagamento das despesas com combustíveis desses deputados, nos casos apontados no relatório.
Leia a decisão:
PROCESSO: 1023130-84.2021.4.01.3400
DECISÃO
FERNANDO SILVA BISPO e LUCAS PAVANATO DE OLIVEIRA apresentaram ação popular contra a UNIÃO, com pedido de tutela provisória “para suspender, imediatamente, todos os pedidos de reembolsos dos parlamentares com gastos de combustível” (ID 516537384 – p. 9 – sic).
Narram, em síntese, que: a) alguns deputados federais formulam pedidos de reembolso de combustível à Câmara Federal em montante completamente desarrazoado; b) reportagem investigativa identificou que a somatória dos gastos com combustível, pelos parlamentares, se aproximam da importância de R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais); c) alguns destes deputados, por exemplo, abasteceram mais de 1.000 litros de gasolina em um só dia.
Alegam, em suma, que: a) não há razoabilidade e tampouco proporcionalidade nos pedidos de reembolso formulados pelos Parlamentares; b) é devida a anulação do reembolso dos gastos desproporcionais de combustível, sob pena de se perpetuar verdadeira afronta ao interesse público e uma evidente lesão ao erário.
Trouxe procuração e documentos.
É o relatório. Decido.
Para a antecipação dos efeitos da tutela de urgência, é necessário que a parte autora apresente “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”, a teor do art. 300 do CPC.
No presente caso, numa análise perfunctória, própria das tutelas de urgência, verifico a presença dos requisitos.
Está expresso no caput da Constituição Federal o princípio da eficiência como regente de toda a Administração Pública, o qual é tratado por Hely Lopes Meireles da seguinte forma:
“É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 94)
O referido princípio determina ao gestor público o zelo pela “coisa pública”, bem como a realização de prestação de contas à população a respeito dos gastos realizados com verbas provenientes do erário (accountability).
No caso concreto, a partir de fundamentado relatório realizado em auditoria do Instituto OPS, verifica-se uma gama de operações suspeitas no âmbito das despesas com combustíveis e lubrificantes de parlamentares da Câmara dos Deputados entre os anos de 2019 e 2020.
Vejamos.
Inicialmente, transcrevemos elucidativa introdução do relatório da referida auditória, o qual resume as conclusões derivadas da análise dos documentos presentes no bojo do relatório (ID 516541876 – p. 25/27 – sic):
“Tomando por base que os veículos utilizados por deputados e assessores sejam como o da maioria dos brasileiros que se deslocam diariamente em suas cidades, ou seja, veículos de passeio e, quando muito, pick-ups, e sabendo que esses veículos possuem tanques de combustíveis com capacidade que variam de 35 litros a 120 litros – em raros casos – é improvável abastecer, de uma só vez, 500, 700 ou até mais de 1.000 litros de combustíveis.
Alguns desses abastecimentos se referem a diesel S500, utilizado em veículos pesados como caminhões e máquinas agrícolas. As pick-ups, como Hilux, Amarok e Ford Ranger, movidas também a diesel e as preferidas por parlamentares que usam da verba indenizatória também para alugar veículos, não utilizam esse tipo de combustível, e sim o do tipo S10, que possui maior índice de pureza. A pergunta para este caso é: quem teria sido beneficiado com o combustível utilizado em veículos de cargas mais antigos e/ou máquinas agrícolas?
As estranhezas não param por aí.
Abastecimentos realizados por empresas e até por pessoas físicas que não fazem parte do gabinete, foram também encontrados durante a Operação Tanque Furado. Esses fatos podem sugerir, uma vez mais, que qualquer NFC-e está referenciando NF-e ressarcidas a parlamentares, montando assim um documento fiscal com informações inverídicas, de abastecimentos realizados por terceiros, como se fossem realizados por parlamentares/assessores.
(…)
Apenas com notas fiscais de grande valor sem a presença de documentos referenciados, o Instituto OPS encontrou lançamentos de mais de R$ 538 mil, cuja relação encontra-se em anexo.
Observou-se também que as notas de grande valor são sempre emitidas por um mesmo posto, escolhido pelo parlamentar. Uma espécie de “posto preferido”.
Uma situação que salta aos olhos. Alguns parlamentares apresentam NF-e de alto valor sempre no final do mês e em um mesmo posto, que, somadas às demais notas do mês perfazem o valor exato de R$ 6 mil, limite da cota. É como se o gabinete somasse as despesas com combustíveis que ocorreram no decorrer daquele mês e solicitasse ao “posto preferido” uma NF-e com valor exato, ou muito próximo, à diferença para o limite da cota. A situação até não seria “curiosa” se essas NFe sofressem glosa na Câmara, o que nem sempre ocorre. Trata-se de uma conta exata, ou quase isso.
A existência de notas com essas particularidades demonstra que não há qualquer controle, por parte da Câmara dos Deputados e gabinetes parlamentares, para a utilização dos recursos da verba indenizatória para o abastecimento e lubrificação de veículos, e ainda, que notas fiscais são emitidas contendo abastecimentos de desconhecidos dos gabinetes.”
Diversos são os casos que merecem ser melhor apurados pelo órgão legislativo em sua função atípica de gestor de recursos públicos.
Um deles é o do deputado Cláudio Cajado, conforme relatado (ID 516541876 – p. 28/29 – sic):
“O deputado Cláudio Cajado (PP-BA) é ressarcido integralmente, e mensalmente, por notas fiscais que são emitidas no final do mês e que, se somada às demais, perfazem o valor exato de R$ 6 mil, com raras exceções. Um exemplo ocorreu em setembro de 2020:
Abastecimento no dia 5 – R$ 100,00
Abastecimento no 12 – R$ 115,02 Abastecimento no dia 14 – R$ 106,19 e R$ 162,00
Abastecimento no dia 16 – R$ 230,00 (até aqui o valor gasto foi de R$ 713,21)
Abastecimento no dia 30 – R$ 5.286,79
A nota do dia 30 não recebeu glosa, logo, por “incrível coincidência matemática”, seu valor totalizou R$ 6 mil, limite mensal dessa cota.
(…)
A mesma situação ocorreu com este deputado em todos os meses correspondentes à atual legislatura, até o final de 2020, salvo em 4 ocasiões que faltaram alguns poucos reais para fechar a conta exata. Em uma delas, a de outubro de 2019, apenas R$ 0,37 foi a diferença entre o valor ressarcido e o limite do mês.
Ressarcimentos no valor de R$ 6 mil desde janeiro de 2019.”
Outro caso é o do deputado José Guimarães, o qual chegou, por exemplo, a ser ressarcido por 326 abastecimentos efetuados no dia 20/11/2018 (ID 516541876 – p. 31 – sic):
“O deputado José Guimarães (PT-CE) foi ressarcido em janeiro de 2019 por 326 abastecimentos efetuados no dia 20 novembro de 2018, além de outras dezenas realizadas em um mesmo dia, como as 33 vezes ocorridas em 15 de janeiro de 2019. Há incidência de abastecimentos a partir de R$ 1,00, ou seja, 250ml de gasolina.”
De forma semelhante, o deputado Marreca Filho abasteceu veículos 178 vezes no dia 09/11/2019 e 71 vezes dois dias depois (ID 516541876 – p. 52 – sic):
“O deputado Marreca Filho (Patriota-MA) abasteceu veículos, sem identificação de suas propriedades, 178 vezes no dia 9 de novembro de 2019 e mais 71 vezes dois dias depois”.
Similarmente, o deputado Luiz Carlos abasteceu, em 16/03/2020, 292 vezes (ID 516541876 – p. 55 – sic):
“O deputado Luiz Carlos (PSDB-AP) foi mais além. No dia 16 de março de 2020 abasteceu 292 vezes, tendo a NF-e apenas 2 NFC-e referenciadas, sendo uma com 159 abastecimentos e a outra com 133. A prática se seguiu por vários meses, como poderá ser visto mais adiante.”
Ainda, há casos nos quais se abasteceu grande quantidade de combustível, a exemplo (ID 516541876 – p. 78/87 – sic):
“O deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) abasteceu 1.070 litros de diesel e 1.119,9 litros de gasolina no dia 23 de março de 2020.
(…)
Em junho de 2020, o deputado Luiz Carlos (PSDB-AP) foi reembolsado pela NF-e – 16200684410240000154550010000022121422446420, no valor de R$ 4.640,26 e que possui uma única NFC-e 16200684410240000154650010000691511125693996 contendo 945 litros de gasolina e 400 litros de diesel.
(…)
PARLAMENTAR: José Guimarães (PT-CE) – Abasteceu 326 vezes em um só dia.
PARLAMENTAR: Alexandre Frota (PSDB-SP) – notas emitidas para empresas e outras emitidas antes de o parlamentar tomar posse como deputado.
PARLAMENTAR: Boca Aberta (Pros-PR) – 125 abastecimentos feitos em 1º de janeiro, entre 6h23 e 6h24.
PARLAMENTAR: Cláudio Cajado (PP-BA) – suas últimas notas mensais são do exato valor entre o limite da cota, R$ 6 mil, e o somatório dos demais abastecimentos ocorridos nos meses.
PARLAMENTAR: Daniel Silveira (PSL-RJ) – diversas vezes ressarcido por notas de alto valor sem que houvesse NFC-e referenciadas, e a utilização de CFOP indevido.
Dra. Vanda Milani (Solidariedade-AC) – Realizou 221 abastecimentos no dia 25/11/20, além de apresentar inúmeras NF-e emitidas sem ocorrência de notas referenciadas e com CFOP indevido.
PARLAMENTAR: Edio Lopes (PL-RR) – apresenta NF-e com apenas uma NFC-e referenciada, sempre com grande quantidade de abastecimentos.
Parlamentar: Giacobo (PL-PR) – foi ressarcido por 21 abastecimentos que foram feitos para a empresa RODOVIA DAS CATARATAS S.A. – ECOCATARATAS – CNPJ 23.312.760/0018-8.
PARLAMENTAR: Hiran Gonçalves (PP-RR) – abasteceu de 1.119 litros de gasolina e 1.070 litros de diesel, de uma só vez, no dia 23/3/20
PARLAMENTAR: Jorge Solla (PT-BA) – realizou nos 10 primeiros dias do ano de 2020 o total de 207 abastecimentos divididos em 192 notas referenciadas, sem identificação de cliente ou clientes desconhecidos.
PARLAMENTAR: José Airton Félix Cirilo (PT-CE) – ressarcido mensalmente no valor exato de R$ 5.800, onde é nítida a “encomenda” de nota fiscal para “fechar o mês”.
PARLAMENTAR: Leonardo Monteiro (PT-MG) – abasteceu veículos utilizados em sua campanha para prefeito, em 2020.
PARLAMENTAR: Luiz Carlos (PSDB-AP) – entre as centenas de abastecimentos diários, destacam-se os 289 realizados em agosto de 2019.
PARLAMENTAR: Professor Alcides (PP-GO) – um dos líderes no gasto com combustíveis, realiza diversos abastecimentos por dia.
PARLAMENTAR: Ricardo Teobaldo (Podemos-PE) – abasteceu veículo do TRE-PE e Sec. Adm. do estado de Pernambuco.
PARLAMENTAR: Roberto Pessoa (PSDB-CE) – abasteceu veículos para uso em sua campanha vitoriosa a prefeito de Maracanaú-CE.
PARLAMENTAR: Severino Pessoa (Republicanos-AL) – aumento na quantidade de abastecimentos no período de campanha de sua esposa à prefeitura de Arapiraca-AL.
PARLAMENTAR: Zé Neto (PT-BA) – diversos abastecimentos para pessoas que não fazem parte do gabinete.”
Assim, considerando os graves prejuízos ao erário que podem ser causados em caso de realização da totalidade dos reembolsos pleiteados pelos parlamentes, é medida que se impõe, por cautela, a suspensão dos pagamentos até que ocorra a devida prestação de contas nos casos apontados.
Destaque-se não se estar vedando o reembolso das despesas de todos os parlamentares indistintamente, mas apenas suspendendo, em caráter precário e por medida de cautela, o pagamento nos casos apontados no relatório do Instituto OPS e nos quais ainda não ocorreram o reembolso (ID 516541876).
Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de tutela de urgência, para que se abstenha a ré de realizar reembolso das despesas efetuadas com combustíveis dos deputados indicados no relatório do Instituto OPS (ID 516541876), até que ocorra a devida prestação de contas pelos parlamentares.
Intimem-se. Cite-se.
Após, ouça-se o MPF.
Brasília – DF,
RENATO COELHO BORELLI
Juiz Federal Substituto
Respondendo pelo acervo do JT da 7ª Vara
Um comentário sobre “Deputados citados na Operação Tanque Furado têm reembolso de gasolina bloqueado pela Justiça”